Este deveria ser aquele momento em que a atriz Karla Sofía Gascón, protagonista de “Emilia Pérez”,
deveria estar nos EUA a participar em encontros e visionamentos do filme, a dar entrevistas e a fazer ativamente campanha por aquele que é o filme mais nomeado para os Óscares que serão entregues daqui a menos de um mês.
Em vez disso, a Netflix, produtora de “Emilia Pérez”, está a fazer os possíveis por distanciar-se de Karla Sofia Gascón,
e das polémicas a ela associadas, tendo inclusivamente retirado o seu rosto das imagens promocionais do filme. O que se passou?
Quando Gascón ganhou o prémio conjunto de melhor atriz em Cannes, em maio passado, a primeira artista transgénero a consegui-lo, dedicou o prémio, em lágrimas, a todas as pessoas trans “que sofrem” e antecipou o ódio online que certamente se seguiria: “Amanhã, haverá muitos comentários de pessoas terríveis a dizer as mesmas coisas sobre todas nós, pessoas trans”, disse. “Mas quero terminar com uma mensagem de esperança. Todos nós temos a oportunidade de mudar para melhor, de nos tornarmos pessoas melhores”.
Mas parece que a própria Gascón também tem andado a espalhar o ódio online. Bastaram algumas pesquisas no seu perfil de X/Twitter para encontrar muitos comentários ofensivos sobre os muçulmanos (“O Islão está a tornar-se um foco de infeção para a humanidade”); sobre George Floyd (“um vigarista toxicodependente”); sobre a China (“A vacina chinesa, para além do chip obrigatório, vem com dois rolinhos primavera…”); e até sobre os próprios Óscares. Comentando os prémios de 2021, onde os nomeados incluíam “Nomadland”, “Minari”, “Judas and the Black Messiah” e “Ma Rainey’s Black Bottom”, Gascón escreveu: “Cada vez mais os #Oscares parecem uma cerimónia para filmes independentes e de protesto. Não sabia se estava a assistir a um festival afro-coreano, a uma manifestação do Black Lives Matter ou ao 8M [greve internacional de mulheres]”. Talvez, entretanto, ela se tenha tornado uma pessoa melhor, mas, ainda assim, estas declarações não deixaram de ser muito criticadas.
Karla Sofia Gascón pediu desculpas: “Como alguém de uma comunidade marginalizada, sei demasiado bem o que é esse sofrimento e lamento profundamente ter sido a causa de dor. Toda a minha vida acreditei que a luz iria triunfar sobre a escuridão”, disse, num comunicado. Mas aparentemente ninguém levou esse pedido a sério. Como se isto não bastasse, na reação aos muitos comentários que teve, a atriz parece ter-se afundado ainda mais, tendo feito comentários e dado entrevistas sem qualquer supervisão ou aconselhamento da Netflix, até, finalmente, ter decidido fechar a sua conta no X. “Querem sujeitar-me à cultura do cancelamento”, escreveu numa publicação no Instagram.
Numa tentativa de salvar as hipóteses do filme nos Óscares, a Netflix decidiu, então, afastar-se de Gascón. Primeiro, terá deixado de contar com ela nas ações de promoção e, depois, deixou de pagar as despesas das suas viagens para os vários prémios ou o seu styling para qualquer participação nestes eventos. Se Gascón, que é uma das nomeadas ao Óscar de Melhor Atriz, quiser continuar a aparecer terá de pagar tudo, desde o bilhete de avião até ao alojamento. Isto se continuar a ser convidada, uma vez que alguns organizadores também estão a reconsiderar a pertinência de contar com a sua presença.
Além disso, segundo a Variety, um novo anúncio de “For Your Consideration” – destinado aos votantes nos Óscares – estreado esta semana, não tem qualquer imagem da protagonista de “Emilia Pérez”. Em vez disso, o marketing apresenta a também nomeada Zoe Saldaña e as co-estrelas Selena Gomez e Adriana Paz.
“É difícil imaginar o foco de uma campanha que exclua a personagem do título e ainda tenha como objetivo trazer o ouro para casa”, disse um consultor à Variety.
“Emilia Pérez” tem 13 nomeações para os Óscares, incluindo em algumas das categorias mais cobiçadas, como Melhor Filme, Realização, Atriz e Filme Internacional. Até aqui, o filme estava claramente entre os favoritos à vitória, mas agora as perspetivas são muito diferentes. A cerimónia de entrega dos Óscares realiza-se na noite de 2 de março.